Quase consigo vê-Lo, sentado na beira de um banco alto, frente ao estirador, esboços amontoados uns sobre os outros, as longas barba brancas a arrastar sobre o papel milimétrico. De tempos a tempos, recosta-se preguiçosamente, toma alguma distância dos traços, entrelaça os dedos na nuca. Apaga, corrige, refaz. Arregaça as mangas, suspira. Demora a ficar satisfeito, exigente com cada pormenor. Detem-se nos contornos, nos volumes arredondados, nas curvas pronunciadas. Acrescenta, modifica, retoca. Aposta no lado prático, para que tudo funcione como deve ser.
Tem que ser robusta, para aguentar a pressão. No entanto, deixa sobressair alguma fragilidade, um certo ar inocente.
Dá uma vista de olhos na folha de serviço : Tem que ser algo imperfeita, para se poder moldar. Vai ter que usar o corrector, paciência, mas nenhum pormenor pode ser deixado ao acaso...
Faz uma pausa para um café bem forte, expresso, com muita espuma, mas rapidamente retoma o trabalho entre o fumo azulado do cigarro obrigatório.
É preciso não esquecer o prazo de entrega, cumprir escrupulosamente os dead-lines. Um atraso e tudo pode falhar. E logo com esta, que tem ainda que dar muitas voltas antes de ser entregue ao destinatário. Desta vez teve até que inverter a ordem dos projectos, às vezes acontece, não é que goste muito, mas é necessário coordenar as coisas.
Mais uns ajustes, reavalia as medidas, as formas redondas. Finalmente, parece dar-se por satisfeito.
Recolhe as folhas dispersas sobre a mesa, junta-as, guarda-as cuidadosamente numa capa transparente, arquiva no dossier : Projectos a executar 61/09
Levanta-se, um pouco curvado pela postura incorrecta, estica-se empurrando as costas na região lombar, boceja, pega no sobretudo. Verifica se tem as chaves no bolso, apaga a luz, bate a porta.
Mas, acto contínuo, volta atrás, retira às pressas as folhas da capa transparente, e, assim mesmo em pé e de sobretudo, faz uns acrescentos no desenho, decidido, convicto.
- Eh pá, já me ia esquecendo, tem que ter mamas! Se é para ser escrava do JB, tem que ter mamas!
Esta é pois a única explicação credível para o facto de, numa família de mulheres de mamas pequenas, eu ter saído assim mamalhuda.
(Inspirada num certo Deus pasteleiro, da Esparsa, que recomendo vivamente http://daimobilidade.blogspot.com/2008_02_01_archive.html )