Wednesday, 12 March 2008

A SLAVE IS BORN


Quase consigo vê-Lo, sentado na beira de um banco alto, frente ao estirador, esboços amontoados uns sobre os outros, as longas barba brancas a arrastar sobre o papel milimétrico. De tempos a tempos, recosta-se preguiçosamente, toma alguma distância dos traços, entrelaça os dedos na nuca. Apaga, corrige, refaz. Arregaça as mangas, suspira. Demora a ficar satisfeito, exigente com cada pormenor. Detem-se nos contornos, nos volumes arredondados, nas curvas pronunciadas. Acrescenta, modifica, retoca. Aposta no lado prático, para que tudo funcione como deve ser.
Tem que ser robusta, para aguentar a pressão. No entanto, deixa sobressair alguma fragilidade, um certo ar inocente.
Dá uma vista de olhos na folha de serviço : Tem que ser algo imperfeita, para se poder moldar. Vai ter que usar o corrector, paciência, mas nenhum pormenor pode ser deixado ao acaso...
Faz uma pausa para um café bem forte, expresso, com muita espuma, mas rapidamente retoma o trabalho entre o fumo azulado do cigarro obrigatório.
É preciso não esquecer o prazo de entrega, cumprir escrupulosamente os dead-lines. Um atraso e tudo pode falhar. E logo com esta, que tem ainda que dar muitas voltas antes de ser entregue ao destinatário. Desta vez teve até que inverter a ordem dos projectos, às vezes acontece, não é que goste muito, mas é necessário coordenar as coisas.
Mais uns ajustes, reavalia as medidas, as formas redondas. Finalmente, parece dar-se por satisfeito.
Recolhe as folhas dispersas sobre a mesa, junta-as, guarda-as cuidadosamente numa capa transparente, arquiva no dossier : Projectos a executar 61/09
Levanta-se, um pouco curvado pela postura incorrecta, estica-se empurrando as costas na região lombar, boceja, pega no sobretudo. Verifica se tem as chaves no bolso, apaga a luz, bate a porta.
Mas, acto contínuo, volta atrás, retira às pressas as folhas da capa transparente, e, assim mesmo em pé e de sobretudo, faz uns acrescentos no desenho, decidido, convicto.
- Eh pá, já me ia esquecendo, tem que ter mamas! Se é para ser escrava do JB, tem que ter mamas!

Esta é pois a única explicação credível para o facto de, numa família de mulheres de mamas pequenas, eu ter saído assim mamalhuda.

(Inspirada num certo Deus pasteleiro, da Esparsa, que recomendo vivamente http://daimobilidade.blogspot.com/2008_02_01_archive.html )

7 comments:

flôr de sal said...

Olá, obrigada pela referência ao meu post. Fico contente sempre que alguém aprecia e faz menção ao que escrevo :)
um beijinho.

Sua escrava said...

Já to disse antes : gosto imenso de te ler e achei esse post genial. dois beijinhos.

GAGGINGyou said...

Gosto da forma como te expões...sem reservas

Anonymous said...

Gostei deste post.

Anonymous said...

pressuponho q terminasse. Algo de intimamente intuitivo me diz q vc estava acima da pessoa de culto. Somos sempre mais o q desejamos ver q aquilo q efectivamente vemos. A fé é endógena. É bem mais o querer acreditar que o acto projectado de nós na construção da catedral de sonho. O sonho e a vontade superior são o construto, afinal da nossa propria vontade. Por isso a escrava é sempre maior que a algema. Ela passa acima do arquetipo do "dono" pois é ela em ultima análise quem determina o acto superior, tendo a generosidade quase farisaica de fazer crer o contrario. Claro q tal perfeito animal nao existe. Numa atmosfera de elegancias e fantasia, o Dono é um falso mau, envolto em perfumes e ideia, criativo e severo, atento e sabedor. Mas nesse mundo não existe doença, nem intranqulidade, nem salarios, nem rotinas, nem vulgaridades. É um universo onde reinventamos o q gostariamos q o nosso mundo fosse. E é dificil conjugar a alma com a vontade de ser alma sempre. Nunca somos exactamente o que fazemos, mas sobretudo muito mais a vontade de ser o q fazemos. Se a fantasia acabou, remetemo-nos ao luto de um procurar de novo em nós e à desilusão de não ter conseguido. Mas há que partir no primeiro veleiro que embarque para o porto maior de sonho, algures a meio do oceano do Futuro. Mas faça isso apenas ao primeiro Senhor do vento q tiver dignidade para a comover e a soprar e levar efectivamente ao zenith q merece. Nunca construa castelos de cartas imerecidos. Abraço
Brutissimus@hotmail.com

Antonio Pedro said...

estranha forma de vida. Nao o sm, justo e dinamico na sua gloria discreta feita de gosto e liturgia. mas o blog secreto e sem jeito de contacto. hoje podes nao existir. o que foste nitidamente acabou. era um construto teu claro. ele nunca foi o que arquitectaste. a literatura era tua, o prazer da diferença, o sonho substanciado. tudo isso era sobretudo um arquetipo de prazer vivido por ti. a escrava é o centro, o enfoque maior, a protagonista. e para que escrever-te aqui se aparentemente morreste para este blog para esta relação e para esta vida. gostava de falar contigo mas nesta estaranha forma de vida este blog nao devera infelizmente levar-me a sitio nenhum. pena. mereces mais q o silencio dos inocentes. abraço. pedro (brutissimus no msn)

Anonymous said...

volta.
(www.disparosacidentais.blogspot.com)