Tuesday, 28 October 2008


Há, no fundo de mim, profundamente intrincado naquilo que sou, uma imensa submissão a Si.
Posso muitas vezes não saber expressá-la, ou perder-me nas suas voltas, mas ela está lá, viva, intensa, cintilante, intocável.
Sinto-a pulsar nas infinitas madrugadas, nas manhãs prometedoras, nos dias que levam consigo a vaga esperança da Sua presença.
E, ainda que ultrapasse a minha compreensão, negar a minha submissão a Si é negar uma parte de mim mesma, só porque nem sempre é palpável. A maior parte do tempo respiro sem ter consciência disso. O meu coração bate sem o meu consentimento. Os meus rins purificam o meu sangue sem a minha intervenção directa. Assim é com a minha submissão a Si. Existe à minha revelia, cresce sem o meu controlo, manifesta-se à margem do meu entendimento. É isso que me mantem viva.

DAR-SE


Dar - do latim dare : fazer doação de, doar; ceder alguma coisa, transferir gratuitamente a posse dela a alguém; alienar; entregar, confiar, pôr em poder de; presentear, brindar, gratificar; prestar, tributar; dispensar; emitir, exalar; ser bom, servir, prestar para; indicar, assinalar, registar, introduzir, penetrar; admitir, concordar; produzir; parir, criar; contagiar, propagar, pegar; suportar; renunciar a; auxiliar, beneficiar;
v. int., fazer esmolas, presentes, dádivas; ocorrer, manifestar-se; originar-se; brotar, reflectir; revelar-se; ir de encontro a;
v. refl., tomar resolução; acomodar-se; conviver, viver em harmonia; dedicar-se, entregar-se.

É tão mais fácil seguir ordens, não ter que pensar, executar. Fazer tudo aquilo que não nos atreveríamos a fazer sozinhas, mas que fazemos porque o Dono mandou. Transferir a responsabilidade dos nossos actos para outrém. A troco de protecção, cuidados, mimos. Nunca acreditei nisso. Pode até parecer tentador, mas não é real.
Por isso já vi submissas a reclamar a sua entrega de volta. A entrega não tem volta, não tem contrapartidas. Uma escrava quando se dá, dá-se. Não espera nada em troca - é isso que a distingue das outras mulheres. Aquilo que se recebe resulta do próprio prazer em dar - atenção, amor, dedicação, prazer ao Dono. E quando se excede, quando se ultrapassa para dar prazer ao Dono, toma na mão a responsabilidade dos seus próprios actos.
Antes de ser um excepcional ambiente de cumplicidade e intimidade, uma relação bdsm é um profundo mergulho dentro de si mesma, com todas as vantagens e consequências que daí advém.

Wednesday, 22 October 2008

O PROMETIDO É DEVIDO


Tenho prometida uma tareia. Pergunto-me porque alguns dominadores, sem serem sádicos, gostam de bater e porque algumas submissas, sem serem masoquistas, gostam de apanhar.
Sem querer extrapolar, detenho-me naquilo que eu sinto.
É certo que apanhar tem um efeito de purga, apanhar purifica, limpa, como que se, através da dor, se expelissem todas as impurezas juntamente com todos os pecados. Apanhar é libertador.
Mas apanhar é também uma forma de manifestar submissão ao Dono. Baixar-se perante a mão que bate pode ser, também, simbólico : o domínio do mais forte sobre o mais fraco, a rendição, a submissão ao vencedor.
As boas notícias não ficam por aqui : Como resposta à dor, o cérebro produz anandamida, um canabinóide natural e endorfinas que além do conhecido efeito analgésico - por exemplo o runner's high dos atletas - melhoram a memória, o estado de espírito, provocam bom humor, aumentam a resistência e a disposição física e mental, reforçam o sistema imunológico, bloqueiam lesões dos vasos sanguíneos, e combatem os radicais livres, sendo por isso um óptimo factor anti-envelhecimento.
Tenho prometida uma tareia, evidentemente não sei quando nem como. Mas sei que nesse momento não me vou lembrar das explicações, as científicas e as outras. Vou estar demasiado ocupada a senti-la.

Tuesday, 21 October 2008

A PENSAR NO DONO

É o meu primeiro pensamento quando acordo e o último antes de adormecer. Durante o dia está sempre comigo, nas pequenas coisas, nas grandes decisões, inteiramente presente ou de forma velada. Agora invade-me também os sonhos. Como tinta que alastra sobre um mata-borrão, o meu Dono toma posse da minha vida.

Sunday, 19 October 2008

UTILIDADES DE UMA ESCRAVA SUBMISSA

São inúmeros os usos que o Dono pode dar a uma escrava submissa

Desde logo os mais óbvios,

A satisfação sexual do Dono


A satisfação dos Seus instintos mais sádicos,


dos Seus desejos mais perversos,

ou muito simplesmente da Sua vontade de descarregar a Sua irritação ou a Sua ira em relação a outras pessoas ou situações.


A realização das Suas fantasias ou fetiches, sejam eles quais forem


A veneração da Sua pessoa


A manutenção do Seu conforto e bem-estar


Até um uso mais prático

para um dia-a-dia mais confortável


Das mais óbvias às menos evidentes


Das mais básicas às mais criativas


De pequenos serviços domésticos

Até empilhar a lenha para o Inverno
São inúmeras as utilidades de uma escrava submissa. Tão vastas as possibilidades quanto a imaginação fértil do Dono.

DAS RELAÇÕES


É um lugar-comum comparar os cuidados com as relações entre as pessoas com os desvelos na conservação das plantas. É comum ouvir-se dizer que tal como as plantas, as relações tem que ser cuidadas, tem que ser regadas. Mas, uma coisa é a teoria, outra a prática. É que nem todos somos bons jardineiros...

Casamento : É talvez a mais delicada das plantas e a que exige mais cuidados. Como um bonsai, um casamento necessita de um verdadeiro especialista. Na verdade, para cultivar um casamento, é preciso ter arte. Dar-lhe a luz e a sombra que precisa, a quantidade de água exacta, nem a mais, nem a menos, arejamento suficiente e ser mestre na poda. Saber quais são as hastezinhas que devem ser podadas, manter-lhe a forma e o tamanho original. De tempos a tempos, precisa de ser adubado. Um bonsai bem cuidado pode resistir anos e anos, mas o objectivo é nunca deixa-lo ter a forma que quer. Há mestres que falam com o seu bonsai, e parece que obtem melhores resultados. No entanto, esta é uma planta para apreciadores, já que o objectivo é nunca faze-la perder a forma e o aspecto originais e faze-la perdurar no tempo.

Amizade : Basta ter os cuidados básicos, rega ocasional, boa luz e a amizade, como uma planta autóctone, terá as condições ideais para crescer e florescer. Requer muito menos atenção do que um casamento.

BDSM : Embora seja o tipo de relação que requer menos cuidados, ainda assim uma relação bdsm não deve ser deixada ao acaso. Como os cactos e outras suculentas, são os excessos de água e nutrientes que as fazem sucumbir. Uma relação BDSM resiste a ambientes agrestes, hostis, a extremos de calor, à ausência de cuidados. Bem enraízada, uma relação BDSM subsiste a tempestades de areia, monções e seca prolongada.
Há relações bdsm que parecem verdadeiras alucinações como um peyote, outras são curativas, como um aloe vera.
E ainda, como um cacto, esconde bem guardado dentro de si, para quem saiba retirar-lhe os picos, um delicioso e nutritivo sumo.


Wednesday, 15 October 2008

DONO EXIGENTE


Adoro quando o meu Dono me faz exigências. Quando me olha tranquilamente nos olhos e me diz pausadamente e sem sombra de hesitação, Quero isto ou Quero aquilo. Adoro vê-lo espraiar-se no Seu papel de Dono até Um e Outro se tornarem indissociáveis, acomodar-se ao Seu poder sobre mim como quem regressa confortavelmente a um sofá que já tem os seus contornos. Sinto-o distintamente alargar-se, estender-se, alongar-se, como se, de facto, Ele crescesse diante dos meus olhos admirados, um ou dois tamanhos. Adoro quando me mostra deliberadamente que tem certezas das coisas, que quando dá uma ordem sabe de antemão que vai ser cumprida - por muito difícil, extrema ou dolorosa que seja para mim - e embora eu ainda não faça a mínima ideia como. Adoro quando remexe dentro de mim, me faz fuçar nos meus medos, nas minhas angústias, nas minhas limitações e me leva muito para além de onde eu, algum dia, poderia esperar ir.

Tuesday, 14 October 2008

SEM OPÇÃO


Enquanto Minha propriedade vergas quando, como e quantas vezes Eu quiser.
Não há opção b.

BDSM PURO E SIMPLES


Quando se fala em bdsm é quase inevitável a associação a vinyl, preto, toda uma parafernália de acessórios mais ou menos sofisticados. Chicotes xpto. Máscaras importadas. Narizes submissos colados a montras de sex-shops. Dress code. Cenários à média-luz. Jaulas, masmorras último grito.

Eu, uma boa parte dos momentos inesquecíveis, intensos com o meu Dono, vivi-os sem efeitos especiais. Sem música de fundo. Toda nua, à luz crua do dia, no chão frio da cozinha.

Thursday, 9 October 2008

NA PONTA DE UM FIO


Se, num dia de vento, virem por aí um papagaio a voar na ponta de um fio, por muito comprido que seja, olhem duas vezes. Provavelmente serei eu, sempre à distância de um puxão do meu Dono.

Tuesday, 7 October 2008

THE MEANING OF LIFE


“Dizem que o que todos procuramos é um sentido para a vida. Não penso que seja assim. Penso que o que estamos procurando é uma experiência de estar vivos, de modo que as nossas experiências de vida, no plano puramente físico, tenham ressonância no interior do nosso ser e da nossa realidade mais íntima, de modo que realmente sintamos o enlevo de estar vivos.”


O meu Dono não gosta de surpresas. Era assim que começava um post que, como tantos outros, nunca cheguei a publicar. Não há portanto, desconhecimento. Porque razão iria eu então fazer uma coisa que sei de antemão que o meu Dono não gosta? Faço mentalmente um rewind, analiso tudo o que fiz e disse nos ultimos tempos e que possa parecer-se, ainda que vagamente, com uma surpresa. Na urgência em perceber que me tira o sono, detenho-me em alguns pontos, na própria definição de surpresa. A angústia provoca-me uma sensação estranha parecida com um enjoo e a noite não passa.


Saturday, 4 October 2008

VAZIA


O meu Dono descobre dentro de mim coisas que eu mesma desconhecia. Uma atrás da outra derruba paredes, destrói barreiras, escarafuncha até ao ponto mais recôndito do meu corpo como da minha mente, sacode todas as estruturas, revira todos os cantos até não deixar nada de pé. Destituí-me de tudo, deixa-me sem nada a que me possa agarrar. Assim, completamente vazia, posso finalmente começar a ambicionar pertencer-Lhe.

SO DO I


"In you I see dirty
In you I count stars
In you I feel so pretty
In you I taste god
In you I feel so hungry
In you I crash cars"

Friday, 3 October 2008

UMA BORBOLETA


Foram precisos quase dois anos até o meu Dono resolver usar cera quente em mim. Os pingos de cera colorida, que o meu Dono ia deixando lentamente cair, uma após a outra, a ferver, bem próximo da minha pele, iam provocando sensações muito além da epiderme e deixando sobre o meu corpo nu uma curiosa obra de arte a três cores. Fiquei linda. Foi, claro está, inesperado, intenso e delicioso. Mas não menos do que o que se seguiu. Obrigada, meu Dono, por tudo o que me faz sentir.

Wednesday, 1 October 2008

MAKE IT SIMPLE

A minha ligação ao meu Dono tem contornos que estão para lá da minha compreensão. Não vou falar das coincidências que me deixam sempre assombrada, nem das sincronicidades e de outras manifestações do inexplicável. Nem vou falar da comunhão, da cumplicidade quase visceral, da intimidade tão profunda quanto natural. Nem de coisas mais difíceis de acontecer do que encontrar uma minúscula agulha hipodérmica num palheiro enorme.
Falo do meu espanto ao ver-me reagir contra todas as probabilidades, falo da minha incredulidade ao desafiar a lógica e do meu divertimento a ver cair por terra silogismos que me levaram tantos anos a elaborar. Falo de convicções meticulosamente construídas ruirem a um sopro do meu Dono.
E da minha surpresa quando sozinha perante puzzles gigantes, a tentar resolver quebra-cabeças insolúveis, constato surpreendida que afinal é tudo tão simples.
E, se ainda assim alguma dúvida persiste, divido-me em duas, a que está fora e a que está dentro. E a que está dentro esquece tudo o que aprendeu, apaga todas as regras, elimina todos os princípios, excepto um - o que manda obedecer.
Talvez quem está de fora veja apenas um animal assilvestrado que aos outros exibe as garras afiadas, as presas brilhantes e ao chegar ao pé do Dono, se roça docilmente pelas Suas pernas.